Capitulo 85 a 90
Sábado, dia 14 de Novembro, 12:13, quarto de hóspedes.
Thur: Acordei sentindo meu braço vibrar. Abri os olhos vagarosamente, incomodado com a secura da minha língua. Tentei me mexer, mas fui impedido por um peso que pressionava meu peito. Estava com aquela conhecida sensação de ressaca, e também não me lembrava onde diabos estava. Abri a boca para dizer “sai de cima de mim, Pedro, porra!”, porque era o que sempre falava quando acordava com alguém em cima de mim, mas não precisei, pois o “peso” virou-se para o lado, revelando o rosto angelical de Lua, que dormia tranquilamente com a boca aberta. Sorri involuntariamente, finalmente me lembrando da noite anterior. Meu braço vibrou novamente. Peguei o maldito celular de baixo das cobertas e atendi, com a voz arrastada. - Você tem o dom de me irritar. - comentei, sonolento. Levantei-me da cama observando o caos no quarto. As roupas de
Lua estavam no chão e as minhas em cima da escrivaninha. A garrafa de vinho vazia rolava pelo carpete, manchando-o com as poucas gotas restantes, e as taças também estavam no chão, uma inteira e a outra quebrada.
Lua estavam no chão e as minhas em cima da escrivaninha. A garrafa de vinho vazia rolava pelo carpete, manchando-o com as poucas gotas restantes, e as taças também estavam no chão, uma inteira e a outra quebrada.
- Cara, bateram na sua cabeça forte demais. - ele afirmou. - Porque, aparentemente, você ESQUECEU de nos contar o que a porra do seu pai, e o motivo das nossas noites mal-dormidas, disse ontem depois do show! - Ah… Isso…
- murmurei, pegando minha calça jeans do chão e vestindo-a por cima da samba-canção.
- É, eu estava indo contar à vocês quando fui abordado por uma gangue de delinquentes. Tá lembrado disso?
– Blá blá blá, meu nome é Thur e eu sou gay. - ele fez voz de mulher, ligeiramente irritado. - Cara, é sério, o que ele te disse? - Disse, basicamente, que vai parar de me encher o saco e que o Phoenix continua vivo. - contei indiferente, para criar um suspense - rimou! -, e Pedro gritou afetado do outro lado da linha.
- Cara, cala boca, a Lua tá dormindo aqui do lado. - isso é sensacional! É a melhor notícia que eu recebi desde que descobri que aquela garota que eu peguei no churrasco da Pamela não era um traveco! - ele gritou, e eu abaixei o volume do telefone para que seus gritos não a acordassem.
- Assim que eu chegar aí, nós vamos bebemorar! - sussurrei animado, sentado-me na beirada da cama para observar Lua dormir. Sua perna direita estava pra fora da coberta, me causando calafrios.
- Eu não consigo nem acreditar! Nós estamos livres! LIVRES! - Pedro gritou ao telefone. - Seu pai vai nos deixar em paz. FINALMENTE! –
Pedro, eu adoraria continuar essa conversa, mas você está muito alterado e vai acordar a fera. - olhei para ela, que se virou para o outro lado. - Assim que der eu te ligo. Conte a novidade aos guys, beleza? - Falou, Thur! Até mais tarde! Chay! Micael! Acordem! - ele gritou antes de desligar. Sentei-me mais perto de Lua e tirei alguns fios de cabelo da sua cara. Ela sorriu sonolenta, sem abrir os olhos. - Bom dia, Luazinha! - murmurei, beijando sua testa.
- Hm… - ela gemeu, ainda sem abrir os olhos. - Você precisa se levantar e colocar uma roupa. - comentei. - Sua mãe não vai gostar muito de entrar aqui e te ver de roupas íntimas na cama comigo.
- Hm… - ela gemeu novamente. Fiquei olhando para ela, segurando a risada. Surtaria em 3… 2… - O QUÊ? - gritou, sentando-se com um pulo. Logo depois colocou a mão na boca e ficou olhando em volta, embasbacada. Depois olhou para baixo, confirmando que estava de calcinha e sutiã, e puxou o cobertor para cima, cobrindo todo o corpo. - Thur…
- ela começou a falar, em choque. - O que exatamente aconteceu aqui ontem à noite? - Ah, você sabe, nada de mais… - dei de ombros, e percebi que ela desceu os olhos rapidamente para o meu peito descoberto.
- Nós só, sabe como é, transamos. Levantei-me da cama novamente, pescando minha camiseta do chão e a vestindo. Coloquei minhas meias e olhei para ela com o canto dos olhos. Estava petrificada, branca. Eu sabia que era maldade fazer aquilo com ela, mas eu não consegui me controlar! Foi mais forte que eu!
- Nós o quê? - ela perguntou, fraquinho, com os olhos arregalados e perdidos. Peguei todas as suas roupas do chão ao ouvir passos no corredor e joguei em cima dela, que nem se mexeu.
- Eu perdi minha virgindade e nem me lembro…? - balbuciou. Tá, hora de parar de me divertir. - Lua, tô zoando com a sua cara. - assumi, rindo. –
Nós não fizemos nada de mais ontem, só demos uns amassos… Você apagou quando eu fui ao banheiro, depois eu voltei, me deitei aqui com você e dormi. - resumi bem resumido a noite passada para ela, sob seus olhos assassinos.
- Você vai me pagar. - ela ameaçou entre os dentes, avançando em minha direção. - Lua, querida, acorde, bela adormecida! Nós vamos ao salão! - a mãe dela cantarolou pelo corredor. Sentei-me na poltrona correndo e Lua começou a colocar as roupas desesperadamente de qualquer jeito. Quando a maçaneta começou a girar ela, já devidamente vestida, jogou-se na cama e fingiu pentear o cabelo, enquanto eu fingia amarrar os tênis. Assim que entrou, Adriana varreu o quarto com os olhos e sorriu, não encontrando vestígios de que nós havíamos feito alguma coisa errada na noite passada. Graças a Deus eu tive a brilhante ideia de empurrar com o pé a garrafa de vinho e as taças para debaixo da cama.
- Temos horário marcado para às 13:45, querida, precisamos correr! - ela completou. Lua gemeu e suspirou. - Mas e o Arthur? - ela fez biquinho, lançando um rápido olhar Serial Killer para mim. - Vai ficar aqui sozinho?
- Não, ele vai ao salão também. - ela comentou, e eu arregalei os olhos. - Nada de mais, querido, só fazer as unhas, hidratar o cabelo e passar uma maquiagem nesse corte horrível na sua testa. Coloquei a mão em cima do corte automaticamente. Estava tão feio assim? Levantei-me, terminando de “amarrar os sapatos” e fiquei de frente para Adriana, que ainda olhava o quarto, procurando pistas de uma conduta indecente. –
Não demorem, meninos, o almoço já está pronto! - ela anunciou, antes de sair pela porta, decepcionada. Olhei com o canto dos olhos para Lua, que espumava de raiva.
- Agora você me paga, Arthur Aguiar! - ela murmurou, antes de me imobilizar no chão.
Capitulo 86Sábado, dia 14 de Novembro, 19:12, baile.
Thur:
Merda de zíper idiota! Merda de terno idiota! Merda de unhas idiotas! Merda de baile idiota!
Dei um chute na porta, depois de passar mais de quinze minutos lutando com minha roupa. Depois de mijar, a porra do zíper não queria fechar, a porra da manga do terno ficou toda molhada quando eu fui lavar a mão, as porras das minhas unhas lixadas eram o motivo de comentários dos caras no banheiro e aquela porra de baile idiota era o motivo de todas as minhas frustrações.
Qual era o sentido de eu ao menos estar ali se Lua não estava!? E eu ainda tinha que aguentar as reclamações de um pré-adolescente cheio de hormônios e as palestras sem fim de um velho frustrado! A minha noite não podia ser pior! Ah, mas é claro que podia… Eu descobri que meus amigos estavam vindo ao baile. Sim, isso mesmo! Eles não conseguiam esperar para comemorar o futuro do Phoenix e estavam chegando para surpreender Lua. O que eles não haviam entendido ainda era que aquela festa era particular e restrita, e eles não poderiam agir como sempre agiam em festas: Enxer a cara e destruir as coisas. Aquilo simplesmente ia arruinar minha vida!
Saí do banheiro puto. Mas meu ódio passou em dois segundos, ao avistar a garota mais linda da festa no meio da pista de dança. Lua.
Deixei meu queixo cair lentamente.
Ela usava um vestido curto de um ombro só estampado, meia calça cinza degradê, acabando no azul, com um sapato estilo boneca trançado na frente, com o salto trabalhado. Seu cabelo estava metade preso metade solto, com um pequeno topete feito com a franja. Ela estava com um copo na mão, bebendo vagarosamente um líquido escuro enquanto dançava sozinha ao som de Lady Gaga, atraindo todos os olhares.
Desde quando Lua dançava? Desde quando Lua dançava Lady Gaga?
Sorri sozinho e fiquei observando, com medo de que aquilo não fosse verdade. Com medo de que ela não fosse minha, e só minha.
Minha punk nerd do satã. Minha capeta em forma de guria. Minha osso duro de roer.
- Vai ficar aí parado ou vai até lá, Thur? - a voz de Adriana ecoou em meu cérebro. Não desviei os olhos de Lua nem por um segundo.
- Ela está linda… - balbuciei, como um idiota.
- Ela sempre foi linda. - ela comentou, com a voz meio embargada. Forcei-me a desviar o olhar, observando lágrimas se formarem embaixo dos olhos de Adriana. - É uma pena que nós nunca nos demos bem…
- Não foi o que me pareceu esses dois dias em que eu passei com vocês. - respondi simplesmente.
Adriana sorriu, ainda com as lágrimas embaixo dos olhos.
- Espero que nossa relação esteja mudando. E se isso acontecer, vou dever tudo a você, querido. - ela afagou meu cabelo, como se eu fosse uma criancinha indefesa. - Obrigada por transformar minha garotinha em uma mulher mais feminina e menos… Dura.
Sorri. “Só na aparência,Adriana, só na aparência…”.
Não respondi nada, ainda olhando para Lua. Obedecendo o conselho de sua mãe, que continuou parada olhando para sua filha com carinho, caminhei por entre as mesas até o centro do salão. Quanto mais perto eu chegava, mais ela ficava gostosa. Sério.
Cheguei por trás - sem nenhuma malícia, que fique bem claro - e a abracei. Ela tomou um susto e se virou, batendo seu nariz no meu.
- Thur! Que susto! - exclamou, rindo. - Finalmente, pensei que você tinha fugido…
- Fugir? Depois de até tomar banho para vir ao baile? Nunca! - brinquei, envolvendo sua cintura. Ela encaixou os braços em meus ombros e nós ficamos balançando de acordo com a melodia da música.
- Percebe-se… - ela cheirou meu pescoço. - Estou sentindo falta do cheirinho de cigarro…
- Não seja por isso… - comentei, pegando sua mão e colocando-a dentro do meu terno. Ela riu ao sentir o maço de cigarros e voltou o braço para a posição inicial, encostando a testa na minha.
- Sabia que de pertinho eu posso ver umas pintinhas dos seus olhos? - ela perguntou, mordendo o lábio inferior.
- Linda. - respondi, beijando a ponta do seu nariz. - Você é linda, linda, linda.
- Engraçado, há umas duas semanas atrás você não diria isso. - ela brincou, e eu fiz uma careta.
- Há duas semanas atrás eu era um babaca.
- Que bom que admite.
- Boba.
- Idiota.
- Chata.
- Imbecil.
- Maravilhosa.
- Lindo.
Ficamos em silêncio, nos olhando, para logo em seguida cair na risada. Uma música do Frank Sinatra começou a tocar, animando a velha guarda da festa, que veio toda para a pista de dança. Rimos mais um pouco com aquela cena, e continuamos abraçados, dançando. De vez em quando ela fazia comentários engraçados das pessoas, me fazendo rir, e aquele momento estava sendo ótimo. Sabe como é, ela estava incrivelmente gostosa, e entre todos os caras naquela festa, era a mim que ela estava abraçada.
Fuck yeah!
- Lua, sua mãe me pediu para avisá-la que você tem que ir se trocar! – Luciano veio até nós com outro copo de whisky nas mãos, e Lua assentiu com a cabeça, sem virar os olhos, como pensei que faria.
- Vai lá, gata, e coloque todas as outras garotas daqui no chinelo! - incentivei, assim que ele foi embora.
- Se eu não cair ao descer as escadas… - ela gemeu, e eu apertei mais o abraço.
- Não se preocupe com isso. Vai dar tudo certo!
- Não é isso que me preocupa. - ela respondeu, apoiando a cabeça em meu ombro. - Eu só queria que essa noite nunca acabasse…
- Ela não precisa acabar. - afaguei suas costas. - Se depender de mim ela vai durar pra sempre.
- Espero que você esteja falando sério, Thur. - ela ficou repentinamente séria. - Porque eu não sei se aguentaria me magoar novamente.
- Confie em mim. É a única coisa que eu te peço. Eu vou te mostrar que eu posso ser diferente, que eu posso te fazer feliz. - peguei suas mãos, entrelaçando-as com as minhas. - É uma promessa.
- Igual a que você fez à Pérola? - ela perguntou, sentida.
- Não, porque o que eu cheguei a sentir pela Pérola não chega nem aos pés do que eu estou sentindo por você agora, Lua. Você me ensinou a ser uma pessoa diferente, me ensinou a amar… - beijei sua testa de leve. - Essa é uma promessa feita à garota que eu amo.
Lua afundou a cabeça no meu peito, respirando fundo. Depois separou o abraço, um pouco relutante, me deixando no meio do salão.
Capitulo 87
Sábado, dia 14 de Novembro, 13:37, salão.
Thur:
Patético. Aquilo era patético. Eu me sentia patético. Incrivelmente patético. Patético, patético, patético.
Bufei, pelo que parecia ser a vigésima sétima vez.
- Querido, pare de se mexer ou eu vou te machucar! - a senhora de uns 50 anos à minha frente pediu, apontando com os olhos para o alicate em sua mão.
Olhei para o lado, ainda não me conformado que aquilo estava mesmo acontecendo - e pedindo a Deus para que nenhum dos guys soubessem daquilo - e avistei o padrasto de Lua sair de outra sala com um cara todo de branco atrás de si.
Quando ele me oferecera a massagem fiquei tentado a aceitá-la, mas depois descobri que era feita por um homem e dei uma desculpa qualquer, recusando o convite. Era um cara! Suas mãos eram peludas! Pelo amor de Deus!
Ele acenou para mim com a cabeça entrando em outra sala para hidratar o cabelo.
Aquele lugar me dava náuseas.
Bufei mais uma vez.
- O que te incomoda, querido? - a senhora perguntou, sem tirar os olhos atentos das minhas mãos cascudas.
- Nada… - menti. Na verdade, o que eu mais queria era gritar para ela que o fato de estar fazendo as unhas me incomodava, o fato de estar em um salão de belezas me incomodava e, acima de tudo, o fato de que a garota que eu amava parecia não sentir o mesmo por mim me incomodava, mas não seria uma coisa muito legal de se dizer. Principalmente porque duas das coisas que me incomodavam eram relacionadas a ela.
- Bom, se quiser me contar, estou a sua disposição. - ela ofereceu, sorrindo.
Olhei para os dois lados, sentindo minha língua formigar.
“Não! Pare com isso, Thur! Você é homem, e não vai contar seus problemas a uma manicure, como uma garotinha indefesa e sem auto-estima!” pensei, mordendo a bochecha com força.
- Agarotaqueeuamonãomeama. - soltei de uma vez, sentindo um alívio no peito.
A manicure continuou séria, trabalhando em minha mão, e por um instante pensei que ela não tivesse ouvido. Preparei-me para repetir, quando ela me cortou com uma pergunta:
- Como você pode ter certeza? Ela chegou a dizer que não te ama?
- Hm… Não, mas eu já disse que a amo duas vezes e nas duas vezes ela deu um jeito de fugir do assunto. Hoje, por exemplo, ela ficou muda por um bom tempo, me olhando com cara de pastel, e quando eu pedi que dissesse alguma coisa ela fingiu se assustar com a sua mãe, que gritou pela escada que o almoço ia esfriar. - respondi, tentando convencê-la de algo que nem eu tinha certeza. Não sabia se ela me amava, mas também não podia afirmar que ela não gostava nem um pouco de mim. Afinal, depois de tudo que tinha feito para me ajudar…
- Se é esse seu problema, faça ela dizer que te ama. - ela aconselhou, olhando para mim pela primeira vez, por cima da armação dos óculos de gatinha. - Como fazer isso? Só você sabe.
Capitulo 88
Sábado, dia 14 de Novembro, 18:48, baile.
Lua:
- Finalmente! - exclamei, levantando-me da cadeira. Minha bunda estava quadrada e formigando. Virei-me para o espelho e sorri, maravilhada. Todo o trabalho tinha valido a pena. Hugo, o cabeleireiro, havia transformado meu cabelo sem graça num emaranhado de cachos rebeldes. A maquiagem era bem escura, mas suave ao mesmo tempo. Sombra dourada e preta nos olhos, blush pêssego e a boca rosa.
Se Thur me ouvisse descrevendo uma maquiagem, ficaria orgulhoso de mim!
- Você está uma gata, Lua! - Hugo exclamou, afetado.
- Lindíssima! - minha mãe comentou, sorrindo. Ela já estava com o seu vestido longo e lilás, e nós já estávamos um pouco atrasadas. Meu padrasto havia ligado minutos antes para avisar que já estava no restaurante do hotel onde o baile aconteceria, e eu só queria sair logo dali e encontrar Thur de smoking, totalmente sexy, só meu.
Era o que eu mais queria!
- Bom, agora, o mais importante! - ela exclamou, correndo até a outra sala. Voltou dois segundos depois com o misterioso vestido curto. Ela havia passado a tarde inteira me cutucando, dizendo quão lindo o vestido era, e eu já estava mais do que curiosa para finalmente vê-lo. Mas não esperava pelo o que estava por vir e deixei meu queixo cair quando ela abriu o zíper da capa.
Era incrivelmente estonteante e completamente abusado! Eu não conseguiria usar aquele vestido! Era curto demais! O que Thur pensaria ao me ver com aquele vestido? Se ele ao menos conseguisse pensar com a cabeça de cima ao me ver com ele! Onde minha mãe estava com a cabeça? O vestido era lindo, mas não era minha cara. Aliás, era bonito demais para mim…
- Mãe! - exclamei, horrorizada. - É curto demais!
- Ah, Lua, vamos lá, seja ousada uma vez na vida! - minha mãe incentivou, e o cabeleireiro,Hugo, concordou com a cabeça. - Thur nunca mais vai ficar longe de você ao te ver com esse vestido!
Virei os olhos. O vestido seria perfeito para uma patricinha, coisa que eu nunca fora. Meu negócio sempre fora guitarras e desafios matemáticos. Bonecas e maquiagem estavam sempre em segundo plano. Aquilo era o total contraste da minha personalidade!
Engoli meu orgulho e fui até a sala ao lado me vestir. Tirei minha saia jeans branca e minha regata verde - que Thur havia me orientado a usar de manhã e minha mãe suspirara de prazer ao me ver usando alguma cor sem ser preto uma vez na vida - e joguei as peças no chão, colocando o vestido com cautela para não estragar meu cabelo e maquiagem. Fechei o zíper com cuidado, enfiei-me na meia-calça e calcei os sapatos. Olhei-me no espelho, contrariada.
Arregalei os olhos.
Aquela era eu refletida no espelho? Quando eu havia ficado… Bonita?
- Saia, saia, nós queremos ver! – Hugo exclamou, girando a maçaneta.
Saí da sala ainda meio fora de órbita, e fiquei algum tempo ouvindo Hugo e minha mãe exclamarem o quão linda eu estava. Era estranho, mas eu me sentia mesmo linda! Alguma coisa naquele vestido, na atmosfera, dentro de mim, tinha mudado. E a sensação era boa.
Olhei-me novamente no espelho, agora hipnotizada, enquanto minha mãe andava frenética pelo salão, capturando nossas coisas espalhadas. Não conseguia acreditar que aquela era… Bom, eu! Com certeza se aquilo estivesse rolando duas semanas antes, eu estaria surtando, doida para arrancar aquele vestido idiota e colocar algum blusão confortável, batendo boca com a minha mãe enquanto ela se lamentava por não ter a filha que havia pedido a Deus.
Só que eu não estava com vontade de fazer nada daquilo.
Não naquele momento.
- Vamos, filha, já são quase sete horas e nós ainda precisamos fazer uma social. - minha mãe comentou, passando o cartão para pagar Hugo. Concordei com a cabeça e me despedi de todos, animada. Sim! Eu estava animada! Para um baile idiota!
Entramos no táxi e minha mãe pediu para que o motorista fosse voando. Ela foi o caminho inteiro falando ao celular com meu padrasto, pois Taylor estava dando trabalho. Ele queria ir embora pra ir a uma festa com os amigos, que não paravam de ligar, e meu padrasto não sabia o que fazer. Minha mãe então teve que ficar o caminho inteiro convencendo-o a ficar pelo menos até a valsa, em que eu dançaria com Thur.
Sorri ao ouvir aquilo. Havíamos treinado algumas vezes a temida valsa, mas eu sempre acabava pisando em seu pé ou miando a dança para fazer alguma coisa mais interessante, então tinha certeza que a tão esperada valsa seria um fiasco. Mas pelo menos nós iríamos nos divertir e rir bastante.
Finalmente chegamos ao salão. As amigas da minha mãe a esperavam na porta com suas filhas entediadas, que conversavam entre si. De imediato soube que odiaria todas elas, mas tentei ser simpática, cumprimentando-as com beijinhos no rosto e sorrisinhos falsos. As amigas da minha mãe elogiaram meu vestido com uma pontinha de inveja, e eu agradeci, morrendo de frio com os ombros nus, rezando para que elas parassem de falar e entrassem logo na porra do salão. Quanto mais rezava, mais elas demoravam, e eu tinha certeza que entraria em colapso quando uma delas sugeriu que toda nós entrássemos. Virei os olhos, aliviada, e as segui. Ao entrar no salão, um calor aqueceu minha pele e coração.
Procurei Thur com os olhos e não o encontrei. Avistei nossa mesa, onde Dylan jogava game-boy e Taylor falava ao celular, ignorando meu padrasto, que bebia seu whisky distraído.
- Meninas vou animar um pouco o Luciano, nos falamos depois! - minha mãe brincou, indo até a mesa. Fui atrás dela sem me despedir e, ao chegar, Taylor desligou o celular e ficou me olhando boquiaberto. Dylan não se deu ao trabalho e continuou a jogar.
- Está muito bonita, Lua! - Luciano comentou, sorrindo.
- Obrigada. - sentei-me ao lado de Taylor, que ainda não havia tirado os olhos de mim. - Onde está o Thur?
- No bar. - Taylor murmurou.
Era de se esperar que Thur estivesse no bar…
- Bom, vou atrás dele. - anunciei, levantando-me. Assim que o fiz, reparei que metade do salão se virou para me olhar. Pela primeira vez na vida eu não passei despercebida. E quer saber de uma coisa? Eu gostei da sensação.
Caminhei por entre as mesas, sob cochichos de que eu era a ausente filha de Adriana e comentários invejosos sobre o meu vestido e aparência. Não que eu me importasse, eu era sempre o alvo de comentários… Na escola, então, sem comparação! Uma nerd punk e agora suposta namorada de Arthur Aguiar? Uou! Eu era o assunto do momento! Mas aqueles comentários não eram de desprezo, eram de pura inveja, e pela primeira vez na vida eu me senti alguém importante.
Cheguei ao bar, decepcionada por não encontrar Thur. Onde ele estaria? Pelos cantos com alguma das filhas vadias das amigas de minha mãe? Meu sangue borbulhava só de pensar naquilo… Mais uma mancada e Thur poderia me esquecer pra sempre. E eu não estava brincando.
Bom, já que estava por lá mesmo…
- Uma Cuba Libre, por favor. - pedi ao barman, que foi preparar minha bebida. Sentei-me nos banquinhos altos de couro do bar e olhei em volta. Thur não estava em lugar nenhum! Senti um misto de sentimentos ruins…
Peguei minha bebida das mãos do barman e tomei um longo gole por que aquela seria uma longa noite…
Capitulo 90
Sábado, dia 14 de Novembro, 19:36, baile.
Lua:
- Meninas, na ordem, vocês já vão começar a descer! - a organizadora da festa gritava pelos corredores, onde garotas saíam de pequenas salas esbaforidas e estonteantes. Minha mãe já havia descido, super animada, e eu me sentia uma babaca completa com aquele vestido longo, rezando para não cair enquanto descia as escadas.
Pelo amor de Deus, nós estávamos no século XXI, quem ainda era “apresentada à sociedade”?
Só minha mãe mesmo… Minha mãe e as mães de mais doze meninas que esperavam ansiosas atrás de mim na fila.
Sim, para melhorar tudo, eu ainda era a primeira da fila.
Tinha como ser mais humilhante?
- No 3, garotas! 3… 2… 1… Vá, Lua! - fui praticamente empurrada escada abaixo.
Os primeiros três degraus foram os mais difíceis. Porque a música alta começou a tocar e me deixou meio surda, assim como os flashes que pipocavam das máquinas me deixaram cega e a vergonha daquele momento me deixava quente e com as bochechas rosa. Mas passados os três degraus, as coisas começaram a ficar mais fáceis. Eu não havia tropeçado e nem feito algo embaraçoso. O que era ótimo!
Ao acabar todos os degraus e pisar no seguro do chão, avistei Thur, que me esperava na base da escada com um sorriso encantador no rosto - uma mistura de zombação com vergonha - e eu senti meu coração se aquecer dentro do peito. Ele usava smoking preto, seu bom e velho All Star - apesar das críticas de minha mãe - e o cabelo alinhado, embora tentasse a todo custo bagunçá-lo. Estava meio desconfortável com a situação, o que o deixava mais fofo ainda.
Era ele. Thur era o cara que eu amava. O cara por quem eu tinha os sentimentos mais complexos, os pensamentos mais confusos e o amor mais profundo.
O cantor da banda começou a música ao mesmo tempo em que Thur segurou minha mão, galanteador.
- Lindíssima. - ele murmurou, me embalando pelo salão. - Você está lindíssima.
- Obrigada. - apoiei minha cabeça em seu ombro.
- Preste atenção à letra da música, Luazinha… - ele disse, enigmático, e eu enruguei o nariz ao ouvir aquele apelido. - Sabe o que eu estava lembrando? - mudou de assunto, enquanto nos movíamos lentamente. Estávamos dançando, e aquilo não era nem um pouco estranho como eu pensava que seria. Thur me guiava como um profissional, e eu me sentia leve.
- O quê? - não usei uma de minhas usuais piadinhas. Não era o momento.
- Lembra quando você disse que era só sua e de mais ninguém? - perguntou, me fazendo sorrir involuntariamente.
- Lembro…
- Você já mudou de ideia?
- Talvez, Thur… Talvez… - fechei os olhos, e ele quicou um pouquinho, rindo.
- Bom, então teremos que continuar trabalhando nisso…
- Quer mesmo saber a verdade? - perguntei, e ele levantou meu rosto pelo queixo delicadamente. Nossos olhos se encontraram, e eu percebi pela primeira vez os outros casais que dançavam à nossa volta.
- Por favor.
- Eu já era sua desde aquele dia no parque, quando você brincou, dizendo estar apaixonado por mim. - ele sorriu, maroto. - Não ria assim, é verdade!
- Foi mais fácil do que eu pensava… - ele virou os olhos, e eu belisquei sua mão de leve. - Eu estou brincando, Luazinha…
- Lua. Lu no máximo! - disse, entre os dentes.
- Quer saber quando você me ganhou? - perguntou, sorrindo sem mostrar os dentes.
- Deixa eu adivinhar! Quando eu fiz você apanhar da Alana? - ele gargalhou alto, e alguns casais olharam para nós de cara feia. Minha mãe, ao fundo, negou com a cabeça em reprovação.
- Não, embora aquele momento tenha tocado meu coração… Pelas costelas… - ele brincou, e foi minha vez de rir alto. - Mas a verdade é que você me ganhou naquele dia em que nos levou pela primeira vez no estúdio e nos contou que sua primeira guitarra fora uma Les Paul. Aquilo foi sexy demais. É verdade! - ele exclamou, assim que eu o belisquei novamente. - É sério! Eu juro! Foi a coisa mais legal que eu já ouvi sair da boca de uma garota! É sério, Lua, assim que eu te vi segurando aquela guitarra sabia que você não seria mais uma pra mim.
Afundei minha cabeça em seu peito, envergonhada.
A música acabou, mas nós continuamos abraçados. Thur me segurava firme pela cintura, e eu me sentia segura.
- Thur…? - chamei, e ele bagunçou meu cabelo antes de responder:
- Eu.
Respirei fundo. Eu tinha certeza daquilo. Era a mais pura verdade. E não difícil dizer.
Pelo menos não muito.
- Eu amo você.
Ele inclinou meu queixo, beijando suavemente meus lábios, enquanto todos no salão aplaudiam a valsa. Então ouvimos um barulho alto e risadas mais altas ainda. Abri os olhos, ainda com a boca colada a de Thur, e avistei Micael, Pedro e Chay entrando no salão. Atrás deles minhas amigas se desculpavam pelo barulho. O salão emudeceu, olhando para os seis jovens que entravam fazendo barulho.
Afastei-me de Thur, incrédula.
- Ah, ótimo… - ele virou os olhos, nervoso. - Então era mesmo verdade…
Olhei para minha mãe, que estava com os olhos em órbitas, e olhei para Thur, que xingava baixinho. Então olhei para meus amigos, que nos procuravam com os olhos.
Aí caí na risada.
Tinha como aquela noite ficar mais perfeita?
Continua..

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