Capitulo 11 e 12
CAPÍTULO ONZE
Arthur ficou rondando a casa como um predador, tomando café preto e passando a mão pelos cabelos. Ele queria tanto um cigarro, poderia gritar, vociferar e colocar as paredes abaixo.
Lua estava no quarto de hóspedes, revirando-se na cama, suspeitava ele. Foi decisão dela abandoná-lo, deixar sua cama vazia e fria. Não que ele se importasse. Não queria mesmo dormir ao lado dela, de qualquer maneira.
Não precisava de uma mulher na sua vida, não uma mulher que vivia mentindo para ele, magoando, fazendo seu coração se tornar insensível. Dirigiu-se para a cozinha e se serviu de outra xícara de café, deu meia-volta e quase tropeçou no próprio pé.
Lua estava de pé no corredor, uma camisola longa e esvoaçante derretia em contato com seu corpo como cera cor-de-rosa.
— O que você está fazendo? — indagou Arthur.
— Eu vim pegar uma mamadeira para Miguel.
— Ele está acordado?
Lua fez que sim com a cabeça.
— A febre dele estava um pouco alta. Dei alguma coisa para ver se passa.
Lua seguiu até a geladeira e encheu uma mamadeira. Arthur queria enterrar seu rosto nos cabelos dela e chorar, lamentar a morte da criança da maneira como qualquer pai deveria ser capaz de fazer. Mas não conseguia convencer-se a tocá-la.
— Qual é a temperatura de Miguel? — perguntou.
— Trinta e nove graus.
— Isso parece ruim.
— As febres tendem a atingir um pico durante a noite. Ele vai ficar bem. O remédio já vai fazer efeito.
Lua tampou a mamadeira, e Arthur olhou fixamente para ela, imaginando qual teria sido a aparência dela durante todos aqueles meses, grávida do seu filho. Bonita, concluiu Arthur.
— Preciso ir — despediu-se ela.
Lua lhe deu as costas, e Arthur tomou uma boa dose de fôlego.
— Eu vou com você. Eu quero ver Miguel.
Entraram juntos no quarto de bebê, cuidando para não se tocarem, para não encostarem os ombros, evitando qualquer possibilidade do mais leve contato físico.
Ela ergueu o menino no berço e o acomodou no recosto, oferecendo o leite a Miguel.
— O outro pônei era igual a este? — questionou Arthur.
— Era. Absolutamente idêntico.
— E tocava a mesma música?
— Sim. — Novamente, um sussurro. — A mesma canção de ninar.
— Onde ele está enterrado? Eu preciso saber. — Arthur precisava visualizar o local na mente, para localizar o sítio.
— Ele foi enterrado no mesmo lugar em que nasceu. Em Oklahoma. Nós estávamos em uma cabana remota nas colinas, um lugar apertado com um fogão à lenha e paredes rústicas. Eu ia contar tudo a você sobre o bebê — explicou Lua. — Quando nosso relacionamento se tornasse mais sólido.
Arthur desistiu, se ajeitou, olhou para ela.
— Mais sólido?
— Eu tinha sonhos. Esperanças. Desejos tolos. Talvez ele se apaixone por mim, talvez ele aceite um compromisso para o futuro.
— Eu me comprometi. — Arthur tentou não rosnar, mas sua voz ainda saía grosseira. — Nós íamos nos tornar uma família.
— Mas você não me ama. Como nós podemos nos tornar uma família se você não me ama?
— O amor não é toda essa bobagem que dizem por aí — disparou Arthur.
— Como você sabe? — desafiou Lua amavelmente.
— Eu vi minha mãe sofrer por causa disso — rebateu Arthur tão suavemente quanto ela.
Nesse impasse, ambos mergulharam em silêncio, as palavras bloqueadas em um beco sem saída, entre eles.
— Miguel ainda é meu filho — disse ele.
— Eu não estou tentando afastá-lo de você.
— Você vai embora, não é mesmo?
Lua prometeu que ficaria, mas ele sabia desde o começo que ela não conseguiria manter a promessa.
Quando ela piscou, uma gota de lágrima fluiu sem escorrer.
— Se você pudesse me dar uma boa razão para eu ficar.
— Eu não posso.
— Eu entendo. — Enxugou os olhos. — Eu magoei você profundamente, e lamento muito por isso. Se eu tivesse a chance de desfazer todo esse mal, não hesitaria.
Mas ela não podia, pensou Arthur.
E ambos sabiam que tudo estava acabado. Desaparecendo na noite, em uma lembrança que ele jamais esqueceria.
No dia seguinte,Lua aguardava diante da porta da casa de Julianne e Paco.
Julianne atendeu, usando um vestido curto e um rabo-de-cavalo, com uma aparência radiante e jovial, espantosa para os seus 40 anos.
— Oi — cumprimentou Julianne, com um sorriso irlandês cintilante.
— Oi. — Lua se sentia imatura e confusa, ávida pela sabedoria de Julianne. — Paco não está em casa, está?
— Não, ele saiu com um grupo para uma excursão às colinas. Você queria falar com ele?
— Não, de fato, é com você que eu gostaria de conversar. É que eu pensei que seria melhor se estivéssemos sozinhas. Você sabe, assunto de mulher.
— Então entre. — Julianne puxou Lua pela mão, oferecendo compaixão imediatamente. — Onde está Miguel? — perguntou ela, estudando a expressão ansiosa de Lua.
— Miguel não está se sentindo bem. Arthur está com ele. — E eles mal haviam se falado, sem saber o que dizer um para o outro naquela manhã.
Julianne levou Lua até a cozinha, fez com que se acomodasse à mesa e preparou duas xícaras de chá.
Julianne reclinou a cabeça, seus olhos tão verdes quanto uma pradaria sem fim.
— Você parece perdida, Lua
E estou, respondeu para si mesma. Perdida sem o homem que eu amo.
— Arthur e eu não vamos conseguir. Não vai dar certo.
— Oh, querida. Você está certa disso?
— Sim. Acabou. Ele não me ama. Nunca amou.
— Isso é impossível. Você já reparou no modo como ele olha para você?
— Arthur gosta de mim. Sempre gostou. Mas isso não é amor. Ele mesmo admitiu que não é.
— Minha nossa. Eu não sei o que dizer. Você veio me pedir ajuda e eu simplesmente não sei o que dizer.
— Tudo bem. Estar aqui já ajuda.
— Paco e eu tivemos problemas, também. Eu quase o abandonei. Mas, no final, ele venceu. Paco me trouxe para a vida dele da maneira como eu precisava. Ele compartilhou seu passado comigo. Todas as coisas a seu respeito.
— Eu escondia segredos de Arthur, mas agora ele os conhece. Ele sabe tudo a meu respeito, do jeito que você sabe tudo sobre Paco.
— Então dê tempo ao tempo — aconselhou Julianne.
— O tempo não vai fazer com que ele me ame. — Lua tentou deixar que o ritmo do balanço de Brendan a acalmasse, para reunir as forças que necessitava para tomar a decisão que só cabia a ela. — Eu vou me mudar. Mas não estou muito certa quanto ao lugar para onde devo ir.
— Quando eu estava preparada para ir embora, preferi voltar para casa. Para a Pensilvânia, onde cresci. — Julianne deixou seu assento, abriu um armário e retirou um pote de biscoitos. Depois de enfileirar wafers recheados com creme de baunilha em uma travessa, Julianne os colocou sobre a mesa. — O lar é um bom lugar para recomeçar.
— Eu sei.
Julianne deu a ela um sorriso faceiro.
— Você acha que eu devo ficar?
— Sim, eu acho.
Aquele era um bom conselho, um conselho protetor, um conselho lógico, mas Lua não poderia segui-lo.
Lua voltou para a casa de fazenda meio arredia. Exatamente como Arthur esperava. Não tiveram muito o que dizer um para o outro. Eles eram dois estranhos agora.
— Olá, querido. —Lua alisou os cabelos escuros e densos do menino, e Miguel se voltou para ela com um sorriso desanimado. — Você está melhor?
— A febre baixou — disse Arthur.
— Você está preparando o almoço dele? — ela quis saber.
— Hoje é meu dia de folga. Não me importo de ficar em casa e agir como um pai. — Arthur colocou um prato inquebrável diante de Miguel e deixou que o garoto catasse a comida com os dedos.
— Preciso fazer alguns preparativos — avisou Lua.
Deu uma espiada em Miguel, viu o menino espremer uma rodela de banana.
— Para ir embora?
— Sim.
Arthur congelou. Sabia que isso aconteceria.
— Para onde você vai? — perguntou ele.
— Eu não sei. — Para se manter ocupada, Lua começou a carregar a máquina de lavar louça, limpando os pratos que Arthur deixara dentro da pia. — Algum lugar. Qualquer lugar.
- Julianne acha que eu devo continuar no Texas. Nesta área. — Lua raspou um prato, removendo os restos do café-da-manhã de Arthur, panquecas que ele mal tocara. — Mas eu não posso. Eu não pertenço mais a este lugar. Preciso reconstruir minha vida. Assim que Miguel melhorar o bastante para viajar, vou escolher um lugar para ir.
— Você vai precisar de dinheiro. O suficiente para se sustentar até arranjar um emprego. — Queria tomá-la nos braços, abraçá-la até que o mundo desaparecesse. Mas aquilo apenas alimentaria sua obsessão, agravando a angústia dentro dele. — Ajudarei você a se mudar. Enquanto isso, pode continuar aqui. No quarto de hóspedes — enfatizou.
— Obrigada. — Com a voz embargada, ela deu um pigarro para limpar a garganta.
Arthur se voltou na direção de Miguel. O que iria ser da sua vida sem o filho?
— Ei, parceiro. — Limpou a face e as mãos da criança, recebendo um olhar enviesado como recompensa pelo esforço.
— Vou dar um banho nele — disse Lua.
— Talvez devêssemos fazer isso juntos — sugeriu ele, incapaz de suportar a idéia de se separar da criança tão cedo.
— Tudo bem. — A voz de Lua estava calma, entristecida.
Entraram no banheiro, e Lua encheu a banheira, adicionando a espuma de banho favorita de Miguel, dois barcos de brinquedo e um polvo de borracha.
— Eu vou perder o primeiro aniversário de Miguel — disse Arthur sem sentir. Com certeza Lua então já estaria longe.
— Eu gostaria de poder ficar. Mas não posso. Simplesmente não posso.
Antes que a água esfriasse, Lua enxaguou Miguel e o enrolou com uma toalha. Macio e quente, o bebê se agarrou a ela, entregando o polvo para Arthur.
— Obrigado, parceiro. — Sentiu uma pressa de guardar o brinquedo, de esconder aquilo em algum lugar, para que pudesse apertá-lo contra o peito quando a criança se fosse.
Deveria guardar alguma lembrança de Lua, também? A gargantilha de pérolas que lhe dera no seu 20° aniversário? Não, as pérolas não. Não poderia tomar um presente de volta.
Seguiu Lua até o quarto do bebê e observou enquanto ela colocava a fralda e vestia Miguel.
Quando ela se virou, seus olhos se encontraram.
Sua amiga.
Sua ex-amante.
A mulher que, os céus o ajudem, Arthur simplesmente não conseguiu segurar.
CAPÍTULO DOZE
Arthur se acomodou na escrivaninha no escritório que dividia com seu tio no estábulo, incapaz de se concentrar. Paco insistia em lançar olhares furtivos na sua direção, deixando o rapaz mais transtornado do que já estava.
— Você está bem, Thur?
Tentado a acender um cigarro, amarrou a cara. Sem sombra de dúvida que deveria estar mofado.
Paco falou com ele de novo, quebrando o silêncio, penetrando o coração de Arthur.
— Você já está com saudades de Lua.
— Ela não foi embora ainda. — Tirou um cigarro do maço, cortou em dois e observou o tabaco emporcalhar sua gaveta.
— Você está com saudade assim mesmo.
— Lua faz parte da minha vida desde que eu era garoto. — E seis dias se passaram desde que ela decidiu partir. Miguel estava quase
recuperado o suficiente para viajar, então era só uma questão de tempo até que ela empacotasse as coisas e sumisse.
Lua estava considerando a possibilidade de se estabelecer no Oregon ou em Washington, talvez na Califórnia do Norte. Prometeu manter contato, é claro. Mas isso não reduzia o vazio.
E se Lua não se sentisse feliz no Oregon ou em Washington, ou em qualquer outro lugar onde estivesse? E se levasse em consideração que aquela era uma mudança monumental?
E se Lua ligasse para os agentes do FBI e pedisse a eles para se unir a Mica no Programa de Proteção à Testemunha?
Arthur perderia a garota e Miguel para sempre. Sua mulher e seu filho não existiriam mais. Suas identidades seriam trocadas, e sua família estaria perdida.
Em pânico, Arthur saltou da escrivaninha, então se ergueu sobre pernas vacilantes, subitamente desesperado para ver Lua.
— Vou dar uma passada em casa — avisou ele.
Sem esperar resposta, Arthur deixou o estábulo, entrou na caminhonete e dirigiu rumo à casa de fazenda.
Encontrou Lua debruçada sobre a mesa de jantar, digitando seu currículo em um laptop, o computador que sempre compartilharam.
Presumiu que Miguel estivesse mergulhado na sua soneca, dormindo naquela tarde silenciosa.
Quando Arthur remexeu os pés, Lua espiou por cima dos ombros, então se virou de volta para o seu trabalho, evitando o olhar dele.
O que estava fazendo ali? Torturando a si mesmo?
— Estou com medo de uma coisa — disse Arthur, dando a volta na mesa para que ela pudesse vê-lo.
— Do quê?
— De que você desapareça. De que você entre no Programa de Proteção à Testemunha com Mica e que nunca mais eu possa ver você ou Miguel novamente.
— Eu jamais faria uma coisa dessas. — Lua recuou um pouco a cadeira. — Por mais que sinta falta do meu irmão, eu sentiria muito mais saudades suas. Eu sequer imaginei em não ver você de novo, não manter contato pelo telefone ou...
— Não me deixe, Lua. — Deixou as palavras escaparem, seu coração explodindo dentro do peito. — Por favor, não vá.
Abismada, a garota olhou para ele.
— Por quê? — perguntou ela, colocando as luzes sobre ele. — Por que eu deveria ficar?
— Porque eu estou...
— Você está o quê? — pressionou Lua.
— Estou apaixonado por você.
Os olhos dela se arregalaram, e sua voz ficou trêmula.
— Desde quando?
— Desde que você tinha 16 anos, e eu era velho demais para ter você.
— Você me chamou de chave-de-cadeia.
— Eu queria você. Mais do que você pode imaginar. Por um momento, eu levei sua oferta em consideração.
— Minha oferta? — Sua voz falhava. — A cerimônia secreta?
— Ainda está valendo?
A mão de Lua tremia sobre a dele.
— Você quer se casar comigo?
— Sim, mas não em segredo. Eu quero um casamento público, com os amigos, a família e...
Seus olhos ficaram cheios de lágrimas.
— Oh, Arthur. Você tem certeza?
— Tenho. — Agora ele compreendia os próprios sentimentos, a maneira como confundira o amor com a solidão. — Eu não quero viver sem você. Tive medo de admitir o quanto preciso de você. Mas não tenho mais medo.
Lua levantou da cadeira e foi até ele, deslizando seus braços em volta dos seus ombros, acalmando Arthur. Ele se ergueu, e à luz do dia, contemplaram um ao outro. Arthur não repetiu sua pergunta, indagando se ela ainda queria ser sua esposa. Podia ver a resposta nos olhos dela.
Lua estendeu as mãos para os botões da camisa dele e foi abrindo um por um. Precisava se despir da mágoa do passado, pressionar seu rosto contra o coração de Arthur e criar uma nova recordação.
Arthur Aguiar a amava. E sempre amou.
— Desisti dos sonhos.
Arthur a abraçava apertado.
— Eu também. Mas não vou desistir, nunca mais.
— Nem eu. Como você soube, Thur? O que fez você reconhecer que me amava?
Beijou o alto da cabeça de Lua, dando-lhe coragem para olhar para ele.
— Foi uma coisa que o meu tio me disse. Ele me perguntou como eu me sentiria se não a visse mais. E de repente eu estava em pânico, com medo de perder você de vez.
— Estou aqui para ficar — Lua garantiu a ele. — Nunca mais vou embora.
— Me desculpe por magoar você — murmurou Arthur. — Por renegar meus sentimentos a seu respeito.
— Nem eu. Como você soube, Thur? O que fez você reconhecer que me amava?
Beijou o alto da cabeça de Lua, dando-lhe coragem para olhar para ele.
— Foi uma coisa que o meu tio me disse. Ele me perguntou como eu me sentiria se não a visse mais. E de repente eu estava em pânico, com medo de perder você de vez.
— Estou aqui para ficar — Lua garantiu a ele. — Nunca mais vou embora.
— Me desculpe por magoar você — murmurou Arthur. — Por renegar meus sentimentos a seu respeito.
— Me desculpe, também. — Lua jamais pretendera fugir, deixando Arthur afogado em medo.
— Você já se desculpou o bastante, Lua. É hora de ir em frente.
— Mas nosso bebê não sobreviveu. Se eu tivesse ido a um hospital, se eu tivesse...
— Shh. — Arthur passou a mão pelos cabelos dela, consolando-a. — Não foi culpa sua.
— Eu devia ter dado um nome a ele.
— Não. — Arthur sacudiu a cabeça. — Você fez a coisa certa. Seguiu o velho costume Cherokee. — Fez uma pausa, tomou um fôlego profundo. — Você vai me levar ao local onde ele está enterrado?
— Sim. — Lua compreendeu que Arthur precisava se despedir da criança que ele não conhecera, o pequenino que ela embalara no ventre.
Quando ambos caíram em silêncio, Arthur a levou para o quarto e a beijou, recomeçando o dia, refrescando sua confissão de amor.
Lua aceitou o que ele lhe oferecia, perdida na beleza da mágica, dos desejos embalados em papel prateado e sonhos embebidos no aroma das flores. Percorrendo o corpo dele, Lua parou para tirar seu cinto e abaixar seu jeans. Arthur a reclinou sobre a cama, e eles relaxaram sobre os lençóis, despindo um ao outro, mãos e bocas em mútua procura.
Seus lábios se encontraram, suavemente, lentamente, impondo um ritmo lânguido. Lua fechou os olhos, e então abriu-os novamente, observando enquanto Arthur acariciava a ondulação dos seus seios. Sua língua provocava, prolongando aquele momento.
Arthur, Lua e Miguel chegaram a Oklahoma numa tarde quente e seca. A estrada até a cabana era uma longa e árdua viagem, um caminho flanqueado por formações rochosas e folhagem. Não era o cenário familiar da terra natal de Arthur, mas ainda assim era belo. O solo estava coberto por mato, árvores e pequenas flores amarelas, que cresciam como ervas daninhas.
Quando a cabana surgiu no horizonte, Arthur olhou atentamente para a primitiva estrutura de madeira. Lua sorriu para ele, e seu coração se tornou quente como cera, derretendo-se como vela. Sabia que isso seria difícil para ela, retornar ao local onde dera à luz e sepultara um filho. Mas Lua estava ali por sua causa, o pai da criança perdida.
Estacionou junto à cabana, e Miguel despertou no assento traseiro, espreguiçando e gemendo.
— Você está pronta? — Arthur perguntou a Lua.
Ela acenou que sim com a cabeça, e saíram do veículo. Arthur retirou o cinto de segurança de Miguel e ergueu o menino nos braços. Miguel se agarrou a ele, ainda lutando contra o sono.
Arthur alisou os cabelos negros e espessos do garoto e se aproximou de Lua.
— É por aqui — mostrou ela, guiando-os pela construção grosseira até uma floresta que se estendia por quilômetros.
Avançaram por uma trilha sinuosa e entre troncos descascados e arbustos. Subitamente Arthur avistou a árvore que marcava o túmulo do bebê. Ela se erguia do solo como um anjo, sua floração de verão tão branca e macia como penas.
Com Lua ao seu lado, eles se ajoelharam sob a árvore. Arthur sentou Miguel na sua frente e deixou que o menino enchesse as mãos com as flores caídas.
— Havia um outro bebê — contou Lua para Miguel. — E nós viemos aqui nos despedir dele.
— Ele tinha um pônei igual ao seu — acrescentou Arthur.
— Pa? — A criança olhou para cima. Estava próximo do seu primeiro aniversário, suas pernas pequeninas se tornavam cada vez mais robustas. Logo estaria andando, correndo pela grama em volta da casa.
— O outro bebê era nosso filho — prosseguiu Arthur. — Mas você é nosso filho, também. — O filho dos seus corações, pensou. O menino doce e bonito a quem eles iriam amar e acarinhar para o resto das suas vidas.
Miguel entregou uma das pétalas brancas para Arthur, e ele a aceitou de bom grado, segurando-a como um floco de neve na palma da mão.
— Sophia está com ele — Lua disse. — Estamos cuidando do filho dela e ela está cuidando do nosso.
Arthur concordou. Seus olhos lacrimejaram de novo, mas não queria chorar. Não queria se entristecer naquele instante.
Fazendo as pazes com suas emoções, beijou a face de Lua. Ela deitou a cabeça no ombro dele, e por um momento permaneceram em silêncio.
Enfim, Arthur recitou uma prece Cherokee que o tio lhe ensinara há muito tempo. Enquanto ele proferia as palavras, Miguel sentou no seu colo, escutando a linguagem dos seus ancestrais.
Depois disso, Arthur disse adeus para o outro bebê e estendeu a mão para Lua. Era hora de voltar para casa, pensou ele. Para casar com a mulher que ele amava e criar o filho com o qual o Criador lhes presenteara.
Arthur se acomodou na escrivaninha no escritório que dividia com seu tio no estábulo, incapaz de se concentrar. Paco insistia em lançar olhares furtivos na sua direção, deixando o rapaz mais transtornado do que já estava.
— Você está bem, Thur?
Tentado a acender um cigarro, amarrou a cara. Sem sombra de dúvida que deveria estar mofado.
Paco falou com ele de novo, quebrando o silêncio, penetrando o coração de Arthur.
— Você já está com saudades de Lua.
— Ela não foi embora ainda. — Tirou um cigarro do maço, cortou em dois e observou o tabaco emporcalhar sua gaveta.
— Você está com saudade assim mesmo.
— Lua faz parte da minha vida desde que eu era garoto. — E seis dias se passaram desde que ela decidiu partir. Miguel estava quase
recuperado o suficiente para viajar, então era só uma questão de tempo até que ela empacotasse as coisas e sumisse.
Lua estava considerando a possibilidade de se estabelecer no Oregon ou em Washington, talvez na Califórnia do Norte. Prometeu manter contato, é claro. Mas isso não reduzia o vazio.
E se Lua não se sentisse feliz no Oregon ou em Washington, ou em qualquer outro lugar onde estivesse? E se levasse em consideração que aquela era uma mudança monumental?
E se Lua ligasse para os agentes do FBI e pedisse a eles para se unir a Mica no Programa de Proteção à Testemunha?
Arthur perderia a garota e Miguel para sempre. Sua mulher e seu filho não existiriam mais. Suas identidades seriam trocadas, e sua família estaria perdida.
Em pânico, Arthur saltou da escrivaninha, então se ergueu sobre pernas vacilantes, subitamente desesperado para ver Lua.
— Vou dar uma passada em casa — avisou ele.
Sem esperar resposta, Arthur deixou o estábulo, entrou na caminhonete e dirigiu rumo à casa de fazenda.
Encontrou Lua debruçada sobre a mesa de jantar, digitando seu currículo em um laptop, o computador que sempre compartilharam.
Presumiu que Miguel estivesse mergulhado na sua soneca, dormindo naquela tarde silenciosa.
Quando Arthur remexeu os pés, Lua espiou por cima dos ombros, então se virou de volta para o seu trabalho, evitando o olhar dele.
O que estava fazendo ali? Torturando a si mesmo?
— Estou com medo de uma coisa — disse Arthur, dando a volta na mesa para que ela pudesse vê-lo.
— Do quê?
— De que você desapareça. De que você entre no Programa de Proteção à Testemunha com Mica e que nunca mais eu possa ver você ou Miguel novamente.
— Eu jamais faria uma coisa dessas. — Lua recuou um pouco a cadeira. — Por mais que sinta falta do meu irmão, eu sentiria muito mais saudades suas. Eu sequer imaginei em não ver você de novo, não manter contato pelo telefone ou...
— Não me deixe, Lua. — Deixou as palavras escaparem, seu coração explodindo dentro do peito. — Por favor, não vá.
Abismada, a garota olhou para ele.
— Por quê? — perguntou ela, colocando as luzes sobre ele. — Por que eu deveria ficar?
— Porque eu estou...
— Você está o quê? — pressionou Lua.
— Estou apaixonado por você.
Os olhos dela se arregalaram, e sua voz ficou trêmula.
— Desde quando?
— Desde que você tinha 16 anos, e eu era velho demais para ter você.
— Você me chamou de chave-de-cadeia.
— Eu queria você. Mais do que você pode imaginar. Por um momento, eu levei sua oferta em consideração.
— Minha oferta? — Sua voz falhava. — A cerimônia secreta?
— Ainda está valendo?
A mão de Lua tremia sobre a dele.
— Você quer se casar comigo?
— Sim, mas não em segredo. Eu quero um casamento público, com os amigos, a família e...
Seus olhos ficaram cheios de lágrimas.
— Oh, Arthur. Você tem certeza?
— Tenho. — Agora ele compreendia os próprios sentimentos, a maneira como confundira o amor com a solidão. — Eu não quero viver sem você. Tive medo de admitir o quanto preciso de você. Mas não tenho mais medo.
Lua levantou da cadeira e foi até ele, deslizando seus braços em volta dos seus ombros, acalmando Arthur. Ele se ergueu, e à luz do dia, contemplaram um ao outro. Arthur não repetiu sua pergunta, indagando se ela ainda queria ser sua esposa. Podia ver a resposta nos olhos dela.
Lua estendeu as mãos para os botões da camisa dele e foi abrindo um por um. Precisava se despir da mágoa do passado, pressionar seu rosto contra o coração de Arthur e criar uma nova recordação.
Arthur Aguiar a amava. E sempre amou.
— Desisti dos sonhos.
Arthur a abraçava apertado.
— Eu também. Mas não vou desistir, nunca mais.
— Nem eu. Como você soube, Thur? O que fez você reconhecer que me amava?
Beijou o alto da cabeça de Lua, dando-lhe coragem para olhar para ele.
— Foi uma coisa que o meu tio me disse. Ele me perguntou como eu me sentiria se não a visse mais. E de repente eu estava em pânico, com medo de perder você de vez.
— Estou aqui para ficar — Lua garantiu a ele. — Nunca mais vou embora.
— Me desculpe por magoar você — murmurou Arthur. — Por renegar meus sentimentos a seu respeito.
— Nem eu. Como você soube, Thur? O que fez você reconhecer que me amava?
Beijou o alto da cabeça de Lua, dando-lhe coragem para olhar para ele.
— Foi uma coisa que o meu tio me disse. Ele me perguntou como eu me sentiria se não a visse mais. E de repente eu estava em pânico, com medo de perder você de vez.
— Estou aqui para ficar — Lua garantiu a ele. — Nunca mais vou embora.
— Me desculpe por magoar você — murmurou Arthur. — Por renegar meus sentimentos a seu respeito.
— Me desculpe, também. — Lua jamais pretendera fugir, deixando Arthur afogado em medo.
— Você já se desculpou o bastante, Lua. É hora de ir em frente.
— Mas nosso bebê não sobreviveu. Se eu tivesse ido a um hospital, se eu tivesse...
— Shh. — Arthur passou a mão pelos cabelos dela, consolando-a. — Não foi culpa sua.
— Eu devia ter dado um nome a ele.
— Não. — Arthur sacudiu a cabeça. — Você fez a coisa certa. Seguiu o velho costume Cherokee. — Fez uma pausa, tomou um fôlego profundo. — Você vai me levar ao local onde ele está enterrado?
— Sim. — Lua compreendeu que Arthur precisava se despedir da criança que ele não conhecera, o pequenino que ela embalara no ventre.
Quando ambos caíram em silêncio, Arthur a levou para o quarto e a beijou, recomeçando o dia, refrescando sua confissão de amor.
Lua aceitou o que ele lhe oferecia, perdida na beleza da mágica, dos desejos embalados em papel prateado e sonhos embebidos no aroma das flores. Percorrendo o corpo dele, Lua parou para tirar seu cinto e abaixar seu jeans. Arthur a reclinou sobre a cama, e eles relaxaram sobre os lençóis, despindo um ao outro, mãos e bocas em mútua procura.
Seus lábios se encontraram, suavemente, lentamente, impondo um ritmo lânguido. Lua fechou os olhos, e então abriu-os novamente, observando enquanto Arthur acariciava a ondulação dos seus seios. Sua língua provocava, prolongando aquele momento.
Arthur, Lua e Miguel chegaram a Oklahoma numa tarde quente e seca. A estrada até a cabana era uma longa e árdua viagem, um caminho flanqueado por formações rochosas e folhagem. Não era o cenário familiar da terra natal de Arthur, mas ainda assim era belo. O solo estava coberto por mato, árvores e pequenas flores amarelas, que cresciam como ervas daninhas.
Quando a cabana surgiu no horizonte, Arthur olhou atentamente para a primitiva estrutura de madeira. Lua sorriu para ele, e seu coração se tornou quente como cera, derretendo-se como vela. Sabia que isso seria difícil para ela, retornar ao local onde dera à luz e sepultara um filho. Mas Lua estava ali por sua causa, o pai da criança perdida.
Estacionou junto à cabana, e Miguel despertou no assento traseiro, espreguiçando e gemendo.
— Você está pronta? — Arthur perguntou a Lua.
Ela acenou que sim com a cabeça, e saíram do veículo. Arthur retirou o cinto de segurança de Miguel e ergueu o menino nos braços. Miguel se agarrou a ele, ainda lutando contra o sono.
Arthur alisou os cabelos negros e espessos do garoto e se aproximou de Lua.
— É por aqui — mostrou ela, guiando-os pela construção grosseira até uma floresta que se estendia por quilômetros.
Avançaram por uma trilha sinuosa e entre troncos descascados e arbustos. Subitamente Arthur avistou a árvore que marcava o túmulo do bebê. Ela se erguia do solo como um anjo, sua floração de verão tão branca e macia como penas.
Com Lua ao seu lado, eles se ajoelharam sob a árvore. Arthur sentou Miguel na sua frente e deixou que o menino enchesse as mãos com as flores caídas.
— Havia um outro bebê — contou Lua para Miguel. — E nós viemos aqui nos despedir dele.
— Ele tinha um pônei igual ao seu — acrescentou Arthur.
— Pa? — A criança olhou para cima. Estava próximo do seu primeiro aniversário, suas pernas pequeninas se tornavam cada vez mais robustas. Logo estaria andando, correndo pela grama em volta da casa.
— O outro bebê era nosso filho — prosseguiu Arthur. — Mas você é nosso filho, também. — O filho dos seus corações, pensou. O menino doce e bonito a quem eles iriam amar e acarinhar para o resto das suas vidas.
Miguel entregou uma das pétalas brancas para Arthur, e ele a aceitou de bom grado, segurando-a como um floco de neve na palma da mão.
— Sophia está com ele — Lua disse. — Estamos cuidando do filho dela e ela está cuidando do nosso.
Arthur concordou. Seus olhos lacrimejaram de novo, mas não queria chorar. Não queria se entristecer naquele instante.
Fazendo as pazes com suas emoções, beijou a face de Lua. Ela deitou a cabeça no ombro dele, e por um momento permaneceram em silêncio.
Enfim, Arthur recitou uma prece Cherokee que o tio lhe ensinara há muito tempo. Enquanto ele proferia as palavras, Miguel sentou no seu colo, escutando a linguagem dos seus ancestrais.
Depois disso, Arthur disse adeus para o outro bebê e estendeu a mão para Lua. Era hora de voltar para casa, pensou ele. Para casar com a mulher que ele amava e criar o filho com o qual o Criador lhes presenteara.

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